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O abuso da dependência por múltiplas substâncias psicoativas, comumente conhecido como dependência química, é hoje um grave problema de saúde que atinge em média cerca de 10% da população mundial, segundo dados da Organização Mundial de Saúde.
Quem entre nós não tem um caso na própria família ou em alguém conhecido e próximo ao convívio?
Tenho feito sistematicamente essa pergunta, em palestras e seminários, e infelizmente a resposta tem sido sempre a mesma, quase a totalidade de um auditório respondendo afirmativamente: "sim eu tenho um caso de dependência química em minha família ou em alguém que conheço próximo a mim", um parente, um amigo, um vizinho ou um colega de trabalho.
Independente da droga de escolha , ou seja, lícita ou ilícita (álcool, tabaco, tranqüilizante, maconha, cocaína, crack, heroína, etc). A dependência química é uma doença caracterizada por uma série de sintomas cognitivos, fisiológicos e comportamentais que indicam que o indivíduo continua usando a substância apesar dos evidentes e significativos problemas que vão se desenvolvendo em sua vida, de forma progressiva, decorrentes desse uso.
Na área social, por exemplo, a penetração e conseqüências geradas pelo abuso e dependência de substâncias vem crescendo de maneira alarmante, sem dúvida alguma devendo ser encarado como um problema epidêmico. Problemas sociais como violência, acidentes de trânsito, marginalidade, formação de gangues e desvio de conduta em jovens e adolescentes, hoje encontram-se marcadamente influenciados pelo uso de substâncias.
Nos EUA, os prejuízos financeiros anuais resultantes do abuso e da dependência de drogas giram em torno de 200 bilhões de dólares.
Além disso, cerca de 100 mil pessoas morrem anualmente devido a problemas com substâncias psicoativas.
No Brasil, as conseqüências na economia e na saúde da população também são alarmantes. No sistema médicohospitalar já chegamos à ocupação de mais da metade dos leitos psiquiátricos do país por internação de alcoolismo.
Pesquisas em escolas demonstram que a idade média em que os jovens iniciam suas experiências como múltiplas substâncias, vem diminuindo ao longo dos anos e hoje é comum encontrarmos adolescentes ainda muitos jovens internados para tratamento especializado. A magnitude do problema é realmente assustadora, e essa realidade se torna mais assustadora ainda quando nos deparamos com a deficiência do nosso sistema de saúde para lidar com o problema.
Temos no Rio de Janeiro apenas cerca de 200 leitos para tratamento especializado, e a maioria dos pacientes acaba não tendo acesso àquilo que lhe é indicado ou vai parar em manicômios e hospitais psiquiátricos. Não há vagas suficientes e em alguns casos, como o de adolescentes que precisam de internação involuntária, o estado e o município não oferecem qualquer tratamento especializado, ficando por conta da iniciativa privada, e de seus altos custos de tratamento.
Na verdade a omissão do poder público e das autoridades competentes, que acabam invariavelmente privilegiando a repressão, a despeito de investimentos na prevenção e no tratamento, é bem anterior a tudo isso. A omissão e a fragilidade do sistema de saúde começa na própria formação acadêmica dos profissionais, ou porque não dizer, ausência de formação.
Médicos, psicólogos, assistentes sociais e todos aqueles que entrarão no mercado de trabalho na área de saúde, quer queira quer não, terá passando por suas mãos pessoas com problemas com uso de substâncias. Infelizmente, o jovem profissional de saúde no Brasil, sai da universidade com o diploma embaixo do braço e, na infinita maioria das vezes, sem ter sido minimamente preparado para lidar com um problema tão comum e freqüente, e acima de tudo gravíssimo.
Nos curso de medicina, normalmente prepara-se para tratar as
conseqüências fisiológicas das dependências e suas comorbidades com outros diagnósticos, mas não se prepara para tratar dependências. Nos cursos de psicologia ou serviço social encontraremos, quando encontrarmos, uma única disciplina eletiva em todo o curso, geralmente com carga horária menor e conseqüente valorização de créditos também menor, o que pode fazer com que a maioria dos alunos não demonstre interesse. Por que matricular-se em uma matéria que "vale menos" créditos, se o aluno está interessado em acumular créditos para que possa concluir o seu curso.
Não há qualquer obrigatoriedade no ensino e formação dos profissionais de saúde no que se refere ao abuso e dependência de substâncias, e isso parece estar contribuindo para ausência de formação de profissionais capacitados para lidar com um problema que diariamente bate à porta dos consultórios e dá entrada nos hospitais gerais. A melhor capacitação profissional hoje praticamente fica por conta dos cursos oferecidos pelas instituições privadas, especializadas no tratamento.
Isso inclusive contribui para a atividade profissional do conselheiro ou técnico em dependência, ou leigo, normalmente portador da doença, dependente ou familiar, que após alguns anos vivenciando o problema na qualidade de paciente acaba adquirindo um saber maior e muitas vezes uma capacitação melhor para atuar como um instrumento de saúde, do que um grande número de profissionais.
Precisamos alertar a opinião pública, assim como as autoridades competentes, para uma revisão imediata dos currículos de graduação na área de saúde, a fim de que se possa inserir e dar maior importância ao estudo e tratamento do abuso e dependência de substâncias. Mais uma vez, quem de nós não tem um caso na família ou em alguém próximo de si?